"Sou, em grande parte, a mesma prosa que escrevo. Desenrolo-me em períodos e parágrafos, faço-me pontuações, e, na distribuição desencadeada das imagens, visto-me, como as crianças, de rei com papel de jornal, ou, no modo como faço ritmo de uma série de palavras, me touco, como os loucos, de flores secas que continuam vivas nos meus sonhos."
B.S.



domingo, 14 de março de 2010

[pretensão]



Não mexia um centímetro seu corpo. Estava estática e resolvera passar o dia assim, respirando, só. O movimento ela guardava para o interior, afinal, querendo ela ou não, ele não deixaria de existir. A única saída era canalizá-lo para algum outro lugar. Pensou, talvez, que dentro do corpo o movimento cansaria menos. Pretensão.
O ser humano vive cheio de pretensões e ela não era diferente de nenhum deles.
O corpo parado e mudo era também pretensão. Ela estava frenética.
Os olhos baixos, meio fechados e os lábios semi-abertos, como se precisando só de um semi-respiro e uma meia visão para sobreviver. Assim pensava serem todos: respiravam pela metade, sem uma visão de vida, mundo e liberdade completamente formada.
O inteiro, o completo, pretensões. A solidez, pretensão. A integridade, sonho. Até as ilusões estavam pela metade. Se contentavam com a metade da utopia.
Por isso parou (de um lado só). Se não fosse um não seria outra coisa.
Mas parando o lado de fora, o de dentro dobrou a produção. Sentia cada parte daquela dimensão se agitar. O coração mandava duas vezes mais sangue para o corpo. A respiração estava mais rápida, por mais que aos outros não fosse perceptível. Ouvia mais. Sentia mais. Pensava e queria mais.
Precisou parar para se sentir (mais) viva.
Por fora desistiu de ser. Por dentro, finalmente sentiu o um que tanto almejara. Para ela bastou. Não importava se era pretensão ou não.
Ela era o zero e o um simultâneos. Não um meio termo falho entre eles.

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