"Sou, em grande parte, a mesma prosa que escrevo. Desenrolo-me em períodos e parágrafos, faço-me pontuações, e, na distribuição desencadeada das imagens, visto-me, como as crianças, de rei com papel de jornal, ou, no modo como faço ritmo de uma série de palavras, me touco, como os loucos, de flores secas que continuam vivas nos meus sonhos."
B.S.



sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

[meu eu mesmo]


Importar-se consigo mesmo é tão importante quanto a própria vida em si.
Importo-me comigo de tal maneira que o mundo todo passa a ter uma significância tamanha.
e a vontade de importar-me cresce significativamente. a todo momento.
importo um pouco do mundo todo em mim. rodo o mundo e a minha vida com ele vai deixando de ser estrangeira e estranha a mim mesma.
sou um pouco do mundo todo. e sendo um pouco de tudo só me resta desvendar o tudo que sou pra me entender um pouco mais. e o mundo que tanto me importa.
por importar-me tanto comigo, pensarão vocês ser egoísmo meu.
conheço-me a ponto de não negar os meus (muitos) defeitos. mas sei aqueles que não tenho e egoísmo é um que não me faz falta.
não finjo defeitos que não me existem. nem qualidades. sou assim. só e tudo isso. sem fingimentos.
sem duas caras descaracterizadas. ou de caráter sujo e confuso.
sei a metade de um dos pouquinhos que sou.
não sou pretensiosa a ponto de querer desvendar-me inteira.
cada um tem um eu mesmo tão grande quanto o próprio mundo que tenta desvendar.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

[Vamos dizer não.]


Eu sou assim, desse jeito.
Ele é diferente de mim. E ela, diferente de nós dois.
Não somos diferentes porque alguém pensou que assim deveria ser.
Ao contrário, ninguém pensou em nada, saímos assim e só.
Lógico que tentamos inverter essa lógica a todo momento.
Estamos no top5 seres mais do-contras do planeta. Sei lá porque raios nos orgulhamos tanto disso.
A palavra NÃO soa divinamente para nós.
Nós não queremos isso, não queremos aquilo, não gostei, não posso fazer, não fale comigo, não perdoo, não vou. não.
Dizemos não até para aquilo que é e só. Dizemos não para o que surgiu ao acaso (como se ele se importasse com isso)
Dizemos não para o diferente. E tentamos cada vez mais, no meio da nossa birra, parecer o outro.
Todo mundo quer ser igual, vestir as mesmas roupas, ouvir as mesmas músicas, frequentar o mesmo boteco sujo da mesma rua, beber as mesmas bebidas, usar as mesmas drogas. Todo mundo (quer ser) igual.
Mas é lógico que eu sou especial, não é mesmo? Lógico que eu tenho um dom. Lógico que eu sou melhor do que o outro. Lógico.

Resumindo:
Todos nascemos diferentes.
Todos queremos ser iguais.
Todos queremos ser iguais e nos achar diferente no meio dessa igualdade toda.

Vamos dizer não à lógica. Eeeeee!
Vamos dizer não à sentatez. Eeeeee!
Ao bom senso. Eeeeee!
Parece discurso político.
Todo mundo aclama. Concorda. Se deslumbra.
Todo mundo não sabe do que se trata.
Aclama pra ser igual ao outro que aclama e só.
Eeeeeee!

domingo, 14 de fevereiro de 2010

[o acaso]


As coisas acontecem por acaso por esses lados daqui.
quando digo esses lados daqui, refiro-me a qualquer lugar.
o que está próximo poderia não estar.
o distante poderia ser o quintal da minha casa. se nao o é (até porque a minha casa nao tem quintal), então o culpado disso é ele. o acaso.
não que ele determine coisa alguma. acaso é justamente essa falta de determinação sobre as coisas.
ele deve ser um tipo distraído, que não olha por onde anda. deixa pegadas em qualquer e todo lugar.
na verdade ele não se importa. não se importa se vai por aqui ou acolá. perto ou longe. se não sabe voltar. e nunca se arrepende da espontaneidade característica.
todos os caminhos dão em algum outro lugar. ele crê.
e assim vai. sem se preocupar.
os caminhos que ele trilha não fazem mesmo muita diferença pra ele. não olha pra trás nunca. não sabe por onde passou. não sabe como foi parar ali. segue assim. sozinho.
nós é que sentimos por esses lados daqui por onde ele passou.
nós sabemos que atalho usou. se escolheu a direita ou esquerda.
nossa vida segue assim. por onde ele trilha.
as vezes damos uma pegada fora da linha. mas só.
e essa pegada pode mudar o rumo do acaso radicalmente.
mas de tão distraído, não percebe que passaria por algum outro lugar..

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

[o outro ego]

somos só nós. aqui. parados. existindo.
cada qual descobrindo uma maneira de existir melhor do que o outro.
todos com o mesmo objetivo torto de existência. superar.. o outro.
perguntar-se quem é o outro, ali, do seu lado, existindo junto com você, está fora de questão.
a loucura está implícita em tal pergunta.
deve-se saber o minimo necessario. o que se sabe deve ser suficiente para ser melhor do que ele. o outro.
não importa em que. nao importa aonde.
nao importa. nada importa. só o ego importa.
os egos estão tão abarrotados que não se movem mais.
e continuam se achando o último ego do planeta.
até nisso competem. quem é mais grande e gordo.
quanto mais melhor.
e o limite? não conhecem tal palavra.
não existe limite assim como não exista algo com que se importem.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

[a desrotina da mesquinharia]

Não. Não precisa mais se preocupar não.
Se eu me preocupo? Magina.
Sim, eu entendo. Motivos para ficar assim não faltam.
Mas também, motivos vão sempre existir.
Lógico que eu quero te ajudar. Ué, para de pensar um pouco nisso.
Se vai ficar assim com uma bobagenzinha dessas imagina depois.
Sim. Sempre existe coisa pior, não se engane.
O que você faz agora?
Meu bem, desencana. Não deixa motivos te enrolarem desse jeito.
A falta de motivos que seriam, aí sim, um problema.
A vida seria parada demais. Monótona. Medíocre. Sem graça. Infame.
Mesquinha.
Tenho certeza de que se não houvesse motivos pra ficar assim, você arranjaria algum.
As pessoas não cansam de inventar problemas por aí.
A única coisa que não cansa nas pessoas é a própra mesquinharia.
O mesquinho não é rotineiro.
As vezes um ou outro se cansa de tanta bobagem e tenta mudar de vida, compensar alguma coisa.
As vezes, um ou outro se sente mal de tratar mal um ou outro.
As vezes.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

[o anti-movimento]


a nuvem paira bem em cima da menina. estaciona. congela.
a nuvem empaca tanto quanto a menina já empacou também.
e ninguem sai do lugar, só o mundo que se move ao redor da menina e da nuvem.
está tão quente que ninguem mais consegue respirar. está parado. o ar também não se move.
a nuvem pinga, resfriada, e resfria a menina.
ela nao sai do lugar.
de que adiantaria? se saisse, a nuvem continuaria pairando ali, uns dois ou três metros acima dos seus pensamentos, que estacionam junto com a nuvem e com a pequena que não pensa mais.
não precisa mais pensar em nada, também. se pensasse, o movimento deixaria de ser.
(dado que ela nao encontraria razoes para ele.
o movimento exige esforço
o pensamento esgota todo o esforço da menina. egoista que é)
e (o movimento) deixando de ser, o estático também nao mais existiria, dado uma coisa não é nada sem a anti-coisa, tal qual o adversário nao o seria sem aquele que o desafia.
sem aquilo que move e sem aquilo que pára não se sabe o que poderia restar.
por isso não pensa. é unica chance de voltar a movimentar.
o mundo é assim e ponto. o que há de se pensar dele?
se se pensar muito nele ele pode parar tambem.
e se assim fosse, deixaria de ser mundo.
e a menina não teria mais com quem voltar a girar.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

[guarda ela]


quem é ela?
cada lágrima, cada grito, cada murro ela prende dentro dela.
é assim que ela joga. ou se prende ou se entrega. sem meio termo.
sem meia-volta.
ela prefere não perceber
se percebesse, tudo explodia ali dentro
o interno vira fora. o reprimido, rebelde. o sete-chaves vir-a público.
segredos o mundo todo tem. e ela guarda cada segredo do mundo dentro dela.
ela guarda cada um de um que queira esquecer.
ela aceita e guarda. e guarda. e guarda. e se guarda.
nao tem mais espaço ali dentro.
ela está sobrecarregada de tudo que é podre e torto do mundo.
o que é dela ela não guarda.
tanto não guarda que quase não é mais ela. quase não resta nada, dela.
só as lágrimas, gritos e murros que ela prende.
ela é quase só a podridão e a tortisse que ela guarda.
é tudo torto e quase nada.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

[Ela canta só]


Ela canta.
E .
Não precisa de mais nada. Não precisa de um motivo. Nem de afinação.
Não precisa de aplausos ou confete.
Sua música não agrada a quem ouve. Mas só quando não se presta atenção.
A beleza não está na música ela própria.

(A beleza não precisa estar ali.
A beleza não está em admirar o quão belas as coisas são.
A beleza está em procurá-la nas coisas.
E fica ainda mais bonita, por ser mais difícil de encontrar.)

E ela canta.
E é tão bonito por ser sincero. Por ser ela.
Ela canta aquilo que ela conhece.
E ela se conhece tanto que tudo que ela canta soa autenticamente afinado.
Ela canta afinada consigo mesma e essa é a beleza.
Ela canta e se conhece.
Quem vaia não a conhece.
E não conhece a si mesmo.
Por se preocupar em vaiar um outro e esquecer de cantar o próprio.
Ela canta só. E não se importa.