"Sou, em grande parte, a mesma prosa que escrevo. Desenrolo-me em períodos e parágrafos, faço-me pontuações, e, na distribuição desencadeada das imagens, visto-me, como as crianças, de rei com papel de jornal, ou, no modo como faço ritmo de uma série de palavras, me touco, como os loucos, de flores secas que continuam vivas nos meus sonhos."
B.S.



terça-feira, 29 de março de 2011

[disforme]

musica que as vezes atrapalhava, alegria que as vezes nao vinha, sensibilidade um pouco falha, era como se definia. sorria cada vez que respirava, porque aprendeu que era isso a felicidade. achava graça até mesmo na tristeza, admirava seu rosto no espelho, enquanto chorava, tentando entender se era real ou capricho próprio. fingia tudo aquilo que nao sentia, para os outros e para ela mesma, quando precisava que alguem acreditasse nela. vivia de afirmaçoes alheias sobre sua felicidade tão óbvia e falsa. felicidade. era um sentimento forte, superior aos outros, quase uma filosofia. ela tinha uma mistura de tudo aquilo que a fazia sorrir dentro de si, e excluia, cuidadosa, todo o resto, separando-os em comodas, armarios e lixeiras, em diária arrumaçao interior. o problema menor, que crescia em escala alarmante, era o que fazer com o lixo acumulado. o tapete já disforme, nao aguentaria mais lixo sem que o cômodo mostrasse sinais de bagunça a quem por acaso viesse adentrar-lhe. e ela nao podia correr esse risco, sobreviver dependia de tais aprovacoes. vez ou outra precisava guardar o lixo em alguma prateleira escondida. nao sorria mais a cada respiração e isso a matava um pouquinho. nao estava alegre agora. e cada musica que tocava no quarto evidenciava o tapete meio deformado, mas que continha toda uma essencia que ela nao podia se desfazer.

quinta-feira, 17 de março de 2011

[música]

e o menino fazia musica propria. suas composiçoes nao só lhe pertenciam, como o som que o instrumento traduzia de suas mãos, também deveria pertencer-lhe. o unico porem é que pertencia tambem aos outros. e só pertencia tambem aos outros porque era inevitavel escutar. nao se pode parar de escutar como se pode parar de ver. alias, nao ver é mais fácil do que ver. nao escutar é outra coisa bem diferente.
sua música era ele próprio traduzido numa linguagem artistica. as vezes empacava numa nota só, mas ultimamente a melodia fluia sem problemas maiores.
ele guardava um pouquinho de si em cada musica. perdia uma parte essencial dele mesmo para ganhar uma outra versão, um pouco triste, as vezes animada, por certo mais madura.
os ouvintes se percebiam intrusos, mas nao havia nenhum constrangimento. era beleza. e transformar beleza em vergonha é que seria constrangedor.
todo mundo ouvia sobre ele o tempo todo. mas ninguem podia dizer quem ele era.
a musica era um ele anterior, agora ele devia ser um pouco mais triste, ou mais animado, certamente mais maduro.

quinta-feira, 3 de março de 2011

[sumindo..]

me dá uma vontade de não existir as vezes. nao quero fazer disso uma coisa grande porque nao gosto de drama de qualquer tipo.
sabe aquela historia de daria minha vida pela vida de alguem xis?
eu daria minha existencia pela felicidade de alguem xis. e sao coisas muito diferentes.
existencia e vida ja nao sao a mesma coisa.
quando minha vontade é de nao existir, entao minha vontade é de não existir. nao é morrer.
é uma coisa meio sumir como se ninguem percebesse isso. mas toda minha felicidade seria doada as pessoas que eu quero e amo. é quase um testamento. deixo-lhes minha felicidade. aproveitem-na.
eu faço um esforço danado, as vezes, para que fique tudo bem aqui dentro. funciona razoavelmente bem, nao tenho muito do que reclamar. mas o ideal seria um esforço conjunto. quanto mais gente bem mais facil de seguir o mesmo rumo. quanto mais gente carregando um piano, mais leve fica, menos a probabilidade dele cair e quebrar e portanto mais chance de criar musicas bem bonitas que deixarao meio mundo emocionado. estou ouvindo piano agora. meu irmao. acho que já estou acostumada a ouvir piano todos os dias. acho que meu predio inteiro está.