"Sou, em grande parte, a mesma prosa que escrevo. Desenrolo-me em períodos e parágrafos, faço-me pontuações, e, na distribuição desencadeada das imagens, visto-me, como as crianças, de rei com papel de jornal, ou, no modo como faço ritmo de uma série de palavras, me touco, como os loucos, de flores secas que continuam vivas nos meus sonhos."
B.S.



segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

[amor cor-de-rosa]


cor-de-rosa. a menina sorria tão leve que o mundo todo se pintava para ela, só para vê-la sorrir. e de tantos agradinhos ela se tornava leve e feliz. era única. e por ser, só ela, assim, cada um a sentia de um jeito particular. era doce e macia, sonho e jujuba, sensível e agradável, girassóis, maresia e cor-de-rosa. e a cada atribuição ela retribuía. o olhar doce se deleitava no novo sabor e tudo que via se tornava doçura. e agradecia por cada sensação, tornando adocicado tudo que pudesse transformar.
era toda envolta em açúcar, daqueles de confeitaria que enfeitam os doces da padaria. amostra de delicadeza que o mundo gostaria de provar. cada movimento provocava um suspiro alheio. era toda uma fantasia. apertando os olhos um pouco quase se via duas asinhas e a auréola.

era amor. a mistura do branco e do vermelho, da inocência e da intensidade.  era uma pureza escandalosa. a face tranqüila e a energia reprimida dentro do corpo. leite e groselha, areia e terra, lua e sol. era essência do jasmim e da rosa no menor frasco de perfume.
a menina era só encanto e cada um a queria de um jeito. acalentar, cuidar, exibir, admirar, ter. era tão platônico que chegava a ser triste. só as vezes, bem de vez em quando, ela olhava pra alguém e sorria. não precisava-se de outra coisa. era doce e cor-de-rosa e bastava para ser feliz.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

[efeitos colaterais]

tantas vezes nos fazemos de desentendidos. se falo em conjunto é porque não quero carregar esta culpa sozinha.
nunca tinha me interessado por politica ou causas mais nobres dos que a constância dos meus dias tinha a me oferecer.
todos eram, não digo iguais, mas no mínimo parecidos comigo em todas as minhas crenças. para que eu haveria de tomar alguma atitude?
hoje esta pergunta me parece óbvia e tenho vergonha daqueles que ainda pensam assim.
e estar rodeada de pessoas tão diferentes me fez evoluir só um pouquinho nessa busca.
e se digo diferentes significa opiniões gritantemente diferentes. que batem de frente, sem pára choques intermediários. por mais que procure ser aberta a outros pontos de vista não consigo faze-lo se vão de encontro aos meus princípios. as vezes me dói tanto que não acredito. não acredito como ainda se possa ser tão contrário a própria humanidade e a uma vida digna. não acredito na falta de comunicação entre pessoas que, teoricamente, a utilizam para seu próprio sustento. não acredito na hipocrisia daqueles que pedem a cabeça de alguém que seria ele próprio caso tivesse oportunidade. defende-se causas pensando-se em interesses ocultos, que nada tem a ver com elas.
e não é uma, duas ou dez pessoas. o negócio está se tornando lucrativo, e quando a coisa é lucrativa torna-se viral, reafimando todo o jogo sujo por detrás.
a dor no meu caso é física. me sinto paralisada e fútil. sem base para agir e com uma revolta embrulhada no estômago.
e quando se tenta expor tais opinioes, tao contrárias a essa massa (nao digo melhores ou piores), só por serem diferentes de tal ordem causam desconfortos e constrangimentos. já nao ligo mais para olhares tortos alheios. ou tento não fazer isso.
sei dos meus principios e valores, queria entender mais dos principios e valores que não são meus. mas não aceito ou entendo crueldade de qualquer tipo. tenho nojo, ansia, tontura.
os efeitos colaterais são inúmeros. e tamanhos de letras de bulas  todos sabem como são. talvez por isso que poucos se interessem em conhecê-los. e daqueles que se interessam, certamente um bom número não conseguirá.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

[sentido e sensibilidade]

"precisa-se de explicações" anuncia o rosto social, denunciando o tamanho da ambição dos homens, querendo entender o que não possui um sentido de existência maior. existe com o único sentido de não ter sentido nenhum. (assim me ensinou o mestre sem saber que o fazia)
o movimento é eterno e creio nele como quem crê no sentido existencial. com a diferença de que se move sem sentido ou direção.
acreditar no (tantas vezes já citado) sentido é ser estático. e o sentido de ser estático é, não só nenhum, como também medíocre. ambos não me servem e descarto-os sem certeza se tornarei a vê-los algum dia.
não me importaria caso tornasse a vê-los, a bem da verdade. do mesmo modo que aprendi a nao me importar em reencontros pessoais desconfortáveis. prestar muita atenção a eles poderiam torná-los mais desagradáveis do que o necessário.
cotas de conforto e desconforto vão existir em menor ou maior grau, o tamanho de cada uma estará atrelado à importância que se dê ao assunto. prefiro não dar importância e me desconfortar por vezes menos, por vezes mais.
teorias sinteticamente errôneas. não sou teoricamente nada. sou assim, de corpo e movimentação. se não procuro por um sentido maior é porque não o possuo. procuro uma verdade naturalmente errante, que por ser errante não me afirma coisa nenhuma. só me faz acreditar. nao importa muito em que, só sei que se relacionam a atalhos e percursos sem saída e na mudança ininterrupta dos tais sentidos.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

[enfoque]












nao me permito sentir muito. só falta, mas só um pouquinho também.
aproximar-se de qualquer coisa é não vê-la por completo.
detalhes, mesmo que nítidos, não mostram o real.
aproximar-se é dar enfoque no um e disfocar o todo.
é um ponto de luz naquilo que se quer chamar atenção.
todo mundo que se aproxima decide para que parte prefere se dirigir.
escolhe e vai. e para de enxergar.
sentir é aproximar-se. é não ver tudo aquilo que deveria.
é desprestar atenção em coisas importantes.
e eu não quero perder nem um pedacinho de verdade.
sentir é direcionar uma emoção praquele conjunto por causa de um aspecto que saltou aos olhos.
eu quero não ter direção.
a viver sem rumo ou ser guiada pela cegueira, fico com a primeira opção.
todo mundo tem uma cota de cegueira e a minha já se esgotou faz tempo.
prefiro não sentir. não aproximar. me desviar. ver.
prefiro não preferir coisa nenhuma.
sou. só isso.

domingo, 17 de outubro de 2010

[as crianças]


aproveitando o momento favorável para dedicar uma atenção a elas.
apesar de que, acho qualquer momento favorável a elas. gostaria até mesmo de me incluir nessa classificação, afinal, como disse, minha vida se baseia em estágios de amadurecimento.
esses estágios podem durar anos ou alguns minutos, e, por que não, não podem retroceder de vez em quando?
retrocedi. me fiz criança só um pouquinho. ou tentei.
as vezes penso que ser pequena é precisar de uma proteção maior, de cuidados especiais.
mas acho que é a maneira adulta de se sentir criança, já esquecemos o que é realmente.
crianças não tem medo de se machucar, nós é que temos e trasferimos a elas nossos sentimentos covardes.
se tivessem [medo], não sairiam por aí se arriscando tanto para descobrir um mundo tão maior do que elas.
acho até que inventam medos imaginários para que nós possamos nos sentir só um pouquinho úteis achando que as estamos ajudando.
crianças são tão generosas a ponto de fingirem medos para que nós nos sintamos bem.
nós sentimos medo porque conhecemos na pele a consequencia de arriscar-nos. elas ainda não conhecem o posterior da ação. por isso não as chamo de corajosas. chamo-as de inocentes.
corajosos são aqueles que continuam tentando mesmo sofrendo com a atitude que tomou.
coragem ou inocência, entretanto, são muito mais nobres do que nós. ambos nos fazem agir. o resto nos faz parados.
a vida, por definição, não é estática.
não nos deixemos ser também.
retroceda ou avance, não importa, o que importa é movimentar-se.

[desabafo]

as vezes, meu mundinho se fecha para visitações.
preciso interditá-lo sim, para que algum tipo de manutenção possa ser realizada.
baseio toda minha vida e minha ações nos valores e princípios que sempre defendi, mas sei a importância de reinventar-se periodicamente.
pausas para pensar e se perceber no mundo sempre funcionam quando qualquer tipo de dúvida ou desconfiança não te deixa dormir.
as vezes é reciso apelar para ações um pouco mais corajosas do que de costume. ando descobrindo que elas podem fazer um bem danado pro ego.
é isso, sou uma pessoa reservada sim, mas não admito situações que vão tão contra princípios éticos e justos e preciso tomar algum tipo de atitude, nem que seja uma mínima.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

[resumo da obra]


minha vida já teve muitas épocas. e nao importa exatamente a minha idade, só que gosto de dividí-la da maneira que me convém. estágios de amadurecimento, talvez.
(para que servem os anos, né?)
enfim, cada época eu encarava alguns assuntos de um jeito e distorcia em menor ou maior grau as informações que me eram passadas.
meus olhos focavam uma parte da situação.
a situação mudava, assim como o foco e o interesse em tais e tais detalhes.
pequenas coisas, por vezes, eram só o que me importava. por outras, imagens tão borradas não permitiam qualquer tipo de aproximação que fizesse algum sentido.
minha vida é meu conjunto de obras. nao digo exposição porque a bagunça é tão grande e meus quadros tão diferentes que não seria possível arranjar-lhes uma ordem.
no máximo uma ordem temporal.
mas aí esta não me convém.

domingo, 19 de setembro de 2010

[a falta sentida]



eu sinto muito. muitissimo.
eu sinto muita coisa. e sinto a falta delas também.
não penso ser uma coisa triste.
acho triste quem não tem do que sentir falta.
muita coisa eu esqueço. e guardo-as no lugar mais longe que consigo, dentro de mim.
mas as coisas que ficam, por mais tristes que sejam, são boas.
são boas por me lembrarem de ter vivido.
são boas por me lembrarem que por mais triste que sejam, elas passam.
eu gosto de sentir falta. e gosto ainda mais por transformar tudo que sinto falta numa daquelas pegadas do acaso que por acaso eu segui.
e por elas que estou aqui hoje, entre tantas possibilidades de estar (em algum outro lugar)
estou aqui. nesse momento. agora. aqui. escrevendo.
pensando nele. e neles. e nelas. pensando e existindo.
e sabendo que vou sentir falta deste momento aqui quando ler esse texto algum tempo depois.
só o que existe é passado. o presente não existe, nem futuro. e o passado aumenta a medida que o futuro diminui, mas ambos continuam infinitos. e o presente continua com a mesma finitude de sempre.
foi isso que eu pensei agora.
do que você sente falta?
eu sinto de você. mas é mentira.

sábado, 11 de setembro de 2010

Foi mais ou menos assim ó?

Sorriso audível das folhas
Não és mais que a brisa ali
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?

O primeiro a sorrir ri.

Ri e olha de repente
Para fins de não olhar
Para onde nas folhas sente
O som do vento a passar
Tudo é vento e disfarçar.

Mas o olhar, de estar olhando
Onde não olha, voltou
E estamos os dois falando
O que se não conversou
Isto acaba ou começou?

F.P.

domingo, 29 de agosto de 2010

[sobre a memória]



"Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto, Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão. A ave passa e esquece, e assim deve ser. O animal, onde já não está e por isso de nada serve, Mostra que já esteve, o que não serve para nada A recordação é uma traição à Natureza, Porque a Natureza de ontem não é Natureza. O que foi não é nada, e lembrar é não ver. Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!" Alberto Caeiro


foi isso que sempre me incomodou.
não sou uma pessoa cheia de rancores, quem me conhece sabe bem.
talvez grande parte disso se justifique pelos problemas de memória que carrego comigo.
admito: eu esqueço as coisas.
eu sei, ninguém guarda tudo e toda aquela coisa.
mas eu esqueço as coisas mesmo.
nao sei bem como funciona, sinto como um bloqueio que me impede a visão.
sou míope memorial. as lembranças ficam embaçadas e por favor, não me peça detalhes de coisa nenhuma, não os enxergo.
antes eu pensava serem só as partes ruins dos acontecimentos, as brigas, os pesadelos. todos eles iam para uma mesma caixinha de chumbo. talvez nao tao pequena assim, mas enfim, estava distante o suficiente para que eu nao as recordasse.
hoje percebi que a maioria das lembranças vão parar por ali. nao me lembro de coisas que queria guardar, acordo como se não tivesse sonhado, repito perguntas nao por nao lembrar as respostas, sim por não lembrar que as perguntei.
é assim, simples.
as vezes penso ser mais fácil, aquele tal sentido de preservação.
nao seria muito eficiente, na verdade, porque poderia cometer os mesmos erros diversas vezes.
mas é sim eficiente quando se tem todo um conjunto de auto-preservações.
só a possibilidade já me dói e afasto-a como se já tivesse perdido tudo novamente.
a dor serve para isso afinal. a dor tem uma memória invejável e manifesta-se sempre em que há a possibilidade de dor. é um aviso.
a dor é toda a minha memória. e afasto toda a minha memória para dentro daquela caixinha.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

[estaremos bem se você estiver]


nunca vi uma cena tão bonita, solidária ou que emocionasse tanto como a de ontem. até aqueles que não o tinham conhecido sabiam o quanto ele era especial para o mundo, só de estar ali no meio de toda aquela energia. eu achei que fosse ficar tudo bem, desde o inicio, eu tinha certeza disso pra ser sincera. era só um contratempo que estava demorando um pouco mais para se resolver. mas eu nao me preocupava tanto porque eu sabia que ele ia sair dali todo bonitão com o mesmo bom humor de sempre. e ele saiu. mas foi diferente e tudo ficou meio confuso. a certeza de quem tinha certeza se desfez, nos mostrando mais uma vez nossa impotencia diante da vida e falta de controle dos acontecimentos. nao acredito em deus, céu, inferno, destino. confesso que olhei para cima procurando ele, mas por acreditar em coisas bonitas e o dia estava o mais bonito de todos ontem. o céu azul sem nuvens, a lua aparecendo, nem muito frio nem muito calor, um jardim enorme cheio de flor e muita muita muita gente ali com ele. parecia que o mundo tinha se juntado ali, parado para vê-lo e por mais cética que eu seja, tenho certeza que ele estava acompanhando tudo aquilo. fazia muito tempo que eu nao me emocionava, mas nao tinha como se segurar, nem queria. era nosso agradecimento pra ele, por tudo que ele era para nós. choros e risos se misturavam em meio a lembranças e abraços. eu nao conseguia parar de pensar nele tão bem e tão melhor que todo mundo no mundo. ele era uma pessoa e tanto. me lembrava dele dizendo que estaria bem se eu estivesse. me lembrava das caras que ele fazia em cada situaçao. da paciencia que ele precisou ter com tanta bagunça que é a nossa família. me lembrei ainda de uma das ultimas coisas que ele me falou, logo antes de tudo acontecer, que nao importava se a gente estava longe, longe de distância, porque a gente se amava e ia ficar tudo bem, a gente estaria perto por causa disso. nao foi exatamente assim que ele falou, foi muito mais bonito. mas fiquei com esse não importava na cabeça. e lembrei ainda da ultima vez que o vi, como no final ele que parecia estar cuidando de nós e nao a gente dele. ele sempre cuidou de tudo e ontem foi cada um cuidando um do outro. pessoas que eu nao conhecia, que nao conheciam ele, que nunca imaginaria estarem ali, grupos de lugares muito diferentes, e nós. estavam todos ali por ele, rezando, cantando, chorando, amando. estariamos bem se ele estivesse. e eu tenho certeza que está. bisa vovô papai seu Michel obrigado.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

[as tais expectativas de controle]


eu sento e espero, muitas vezes. eu ou qualquer outra pessoa, veja bem.
nao conheço ninguem que nao queira alguma coisa, que esteja livre de aspirações, sonhos ou fantasias. no minimo, deseja alguma coisa para querer.
eu quero e quero muito, o tempo todo. nao sei ainda o que, mas cada parte isolada de mim precisa tanto que me torno conjunto.
são tantos quereres, uma variedade tao assustadora e doentia de quereres, que todos tornam-se uma coisa só: saudade.
só que nao é uma dessas saudades temporais. nao é essa necessidade de presentear um acontecimento passado. saudade é reviver. reviver nunca passará de uma tentativa frustrada. nada se revive, nunca.
saudade é inevitavel. é expectativa. é um querer que nao pode ser realizado, por isso tao frustrante.
mas não é isso. é um outro tipo de saudade.
na verdade nem o é, mas nao existe alguma outra palavra que possa caracterizar tal sentimento.
alias, pode até ser considerada temporal, mas em relação a uma outra temporalidade.
é novamente uma tentativa frustrada, mas, no caso, de aproximaçao de um futuro já planejado.
se voce quer significa que ainda nao o tem, mas espera ter, de preferencia no instante seguinte.
e voce espera, assim como eu. nós sentamos e esperamos.
mas o futuro nunca chega. futuro é aquilo que ninguem vai conhecer.
a gente finge que pode controlá-lo só um pouquinho porque assim é mais fácil.
acredito que a maior ilusão que temos se refere ao controle. tudo torna-se muito simples se voce pode controlá-lo, é muito cômodo que se exista um cronograma que seja seguido.
as pessoas até que costumam gostar de surpresas, mas abdicam delas em troca dessa segurança do planejamento.
ilusão. nao se tem controle sobre nada. nem sobre si próprio quanto menos de um futuro isento de rumos ou previsões.
mas só se percebe isso quando tudo acontece de maneira diferente do que se tinha pensado. aquela quase certeza de estar prevendo a maneira do acaso de agir se torna frustação quando se percebe que nao havia certeza nenhuma desde o principio.
há uma expectativa muito grande em relação ao controle.
eu mesma tenho várias. espero muito sempre e o tempo todo, como disse. me frustro sim, é verdade.
mas nao me frustro de tal maneira que nao possa aproveitar as delicias das adversidades.
é inevitavel criar fantasias de como será o encontro ou a despedida, a conversa, realidades paralelas, crio-as sempre. mas sei que serão diferentes.
nao necessariamente melhores ou piores. só diferentes. e isso até que me faz bem.
como seria se todos tivessem controle sobre vidas alheias?
se alguem fizesse um script de suas falas e atos para que condizessem com a vontade dela própria?
nao. seria assustador.
me faz bem saber que apesar de tudo as coisas acontecem sempre, dá-se um jeito, nao importa de que maneira.
uma única surpresa, por menor que seja e que te faça feliz, é tantas vezes melhor do que um cronograma inteiro da sua vida que dê certo para você.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

[as tais características]


nunca tive nenhum talento especial. minha familia inteira o tem, por isso tal constatação me perturbava de vez em quando. são artistas. eu não.
nao desenho e nao canto. não toco nenhum instrumento, danço aquele pouco. e só.
ser um pouco mais afinada seria divertido, confesso, mas nao me preocupo mais com isso.
decidi que nao ia levar pro lado pessoal, assumi a minha própria ofensa como uma característica e só.
sou cheia de características, graças a deus.
uma delas é que nao acredito em deus, ou em coisa nenhuma, mas nao vem ao caso agora e nem importa tanto assim na verdade. mas assumo isso como uma caracteristica.
nao sei como classificar defeitos e qualidades. para mim os dois conceitos se confundem e assumem um nome não tão cheio de preconceitos.
cada conceito, separadamente, carrega a carga do julgamento, mesmo que você nao o veja ali nas entrelinhas.
quem seria moralmente capaz de classificar postiva ou negativamente aspectos de outrem?
essa resposta não existe. primeiro porque nao acredito em perfeição.
segundo que, se acreditasse, certamente o perfeito seria um equilibrio entre positivos e negativos.
além do mais, talvez o tal defeito de um fosse justamente o charme do outro. tal classificação se mostra muito falha.
quando denominados de características podem causar menos constrangimentos.
falando por experiencia própria, é uma delicia assumir cada uma de suas características.
obviamente, aquelas mais dificeis de se assumir. é assim que voce vai descobrindo outras e outras e outras e mais algumas.
é assim que voce se descobre, descobre o outro e deixa que ele o descubra também.
e durante esse processo tao cheio de descobrimentos, voce ganha um bocado de paciencia.
se é mais tolerante com erros alheios dado que se percebe que voce faz igual.
uma caracteristica bastante comum é o tal olhar de reprovaçao.
reprova-se os próprios atos, quando outra pessoa que os faz.
reprova-se as próprias vontades e desejos olhando para alguém que os conseguiu satisfazer.
julgamentos me incomodam.
me incomoda saber que como qualquer pessoa eu também os faço, não estou acima de nada disso.
assim como não possuo nenhum talento especial. possuo características.

domingo, 1 de agosto de 2010

[sorrir]


nada me faz tão bem quanto um sorriso espontâneo.
é quase um reflexo, tão inevitável quanto a própria respiração.
a pessoa que sorri é a que mais se surpreende com essa falta de controle do próprio corpo.
sorrir é não ter controle.
não importa o quão fechado dentro do próprio mundo, o sorriso é o buraco da fechadura que os mais enxeridos espiam.
é o segundo entre a explosão e regeneração da bolha que o separa do resto do mundo.
a inexpressividade de alguém ou a não demonstração de emoções se mostra falha dado que, mesmo que raro, o sorriso aparece no canto da boca.
para mim, não são os olhos a janela da alma. os olhos sabem mentir quando treinados.
um olhar nos prende e qualquer coisa se torna válida para nós, a partir daí.
não um sorriso.
um sorriso falso, por mais autêntico que possa parecer, é sempre detectável.
o espontâneo é tão obviamente verdadeiro que é uma delícia receber um. é inesperado e sincero. jamais se duvida de um dado que não é possível uma cópia.
sempre guardei comigo os sorrisos que recebi, como uma fotografia.
deixei de acreditar em tantas coisas, tenho dúvidas de tantas outras.. sou uma pessoa cética em muitos aspectos, confesso.
mas sempre acreditei nos sorrisos.
sorrisos são os nossos segredos que aparecem de vez em quando.
é o meu jeito de, sem querer, me livrar um pouco dessa carga que o mundo nos larga nas costas.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

[o resto da sobra]



nada me resta.
me sobram, as coisas, realmente.
resto é podre, é lixo, desgosto.
o resto é o descarte, é o que não se quer mais ou não mais se precisa.
mas o que sobra, não. é diferente.
a sobra é o detalhe que não se prestou atenção.
a sobra de alguma coisa que era muito e por ser demais sobrou.
mesmo que não se quisesse que fosse descartada.
a sobra do doce preferido que não cabe mais no estômago.
o resto do brócolis que a criança deixa no prato.
eu quero sobras, não restos.
as sobras por serem detalhes as vezes são mais importantes do que a coisa daonde ela fazia parte.
em mim, me sobra o riso e me resta o amor.
o amor é só o que me resta.

sábado, 24 de julho de 2010

[sobre o amor]


Em resposta ao texto A mulher que não queria amar. de Brunno Leal (http://bit.ly/cpLOhJ)



Não é que não quisesse, ela já sabia como funcionava todo o processo. algumas vezes antes ela tinha experimentado a parte estragada da coisa. no começo o sabor agrada e é diferente para cada pessoa. as vezes é doce, as vezes um pouco ácido, nao importa. a verdade é que é bem diferente de qualquer outra coisa já experimentada antes. o sabor dele surpreende, é exótico. sabe aquela sensação de querer uma comida que não existe? então, é assim. o amor é gula. e ela já tinha encontrado por duas vezes essa comida desconhecida que não se vende em mercados comuns. aliás, de comidas que não se vendem. podem amadurecer como uma fruta ou até mesmo surgir assim, do nada - comprovando a já descartada teoria de geração espontânea - mas nunca se vendem. o mais divertido é que o sabor modifica com o tempo, as vezes com um toque azedo da laranja em meio ao doce-amargo do chocolate, e a combinação é ainda mais sensacional. o amor vicia. as vezes tem-se overdose e as pessoas morrem de tanto sentir. o amor é doença. e talvez a ressuscitação não seja tanta loucura, afinal, se no dia seguinte as pessoas continuam vivas. o amor que é a loucura. e por mais que não se perceba, o amor também é álcool, que nos alegra devagar ou nos derruba em poucos minutos. mas o que ninguém acredita, durante o processo de degustaçao, é que, no final, ela bem sabia disso, o gosto enjoa, a fruta estraga, a sensação de querer uma comida que não existe está de volta e a overdose causa estragos maiores. o amor é ressaca e cicatriz.
Quando se passa por isso a primeira vez, dói, mas tem-se a crença, mesmo que tudo indique o contrário, de que na próxima vez o sabor será melhor e não provocará nenhum tipo de destruição. todos nós gostamos de acreditar nisso e continuará assim.
Mas ela passou por isso uma vez, acreditou e passou por isso uma segunda, e doeu ainda mais, causou ainda mais destruição. não havia mais um chão em que se apoiar e ninguém ligava para isso, era uma dor dela e só. só ela sofreu.
E aí foi o tal momento. ela percebeu que tudo que é demais faz mal e o amor é demais. tudo que é vício impede o equilíbrio. o amor vicia e desequilibra. ela resolveu abrir mão da primeira impressão, do sabor incomparável que se sentia nos primeiros momentos, ela abriu mão do intenso para não ter que passar de novo por algo que ela não suportaria. ela se bloqueou de tal maneira que podia dizer a si mesma que se tornasse insensível. e ela disse. ela não queria se envolver, não queria gostar de qualquer um que fosse, não queria mais se importar. e foi o que ela fez. era fraca, sim, não queria arriscar toda a sua vida num sabor novo, independente do quão deslumbrante ele fosse. Sabia que alguma hora o gosto seria decepção e só. e o gosto da decepção pode durar mais e ser mais forte do que o do próprio amor.
Por fora diz que não o quer, mas sabe que só está esperando alguém que se importe com ela de tal maneira que não acredite na intransponibilidade das barreiras que ela criou e fique ali até que consiga derrubá-las, independente do tempo que isso possa levar ou do esforço despendido. tudo que ela quer é o equilíbrio. se ela não acredita mais no amor, precisa de alguém que acredite tanto nele que a faça acreditar um pouquinho mais também, não muito, só o suficiente. um pouco de sensibilidade de volta e ela esquece o desgosto que possuem os finais. ou se não o esquece, pensará que o risco vale a pena. e se as lágrimas forem inevitáveis, no fim, saberá que tal pessoa merece cada uma delas. não é fácil encontrar alguém que mereça um choro, é triste sim, mas é quase um presente merecê-los.

domingo, 27 de junho de 2010

[s/ título]

se eu nao posso escrever, eu posso o que?

[conversas de superfície]

argumentaçoes baratas. é disso que se vive hoje em dia. nao que seja um trabalho sujo nem nada, mas também nao há muito do que se orgulhar. nao se mantem um foco, as conversas sao tao superficiais que quando nao se sabe mais o que falar depois de 5 minutos outro assunto vem a tona, como se fosse a continuaçao de um primeiro e assim sucessivamente. o que se tira do final é o que eu me pergunto constantemente.

[gula]

eu tinha fome. Na verdade, fome era tudo que eu não tinha naquele momento ou em tantos momentos anteriores. Eu tinha gula, queria mais comida, mais diversão, mais carinho, mais música, mais barulho, eu queria tudo muito e o tempo todo. E como tudo que é demais, o querer tanto me fazia mal, me enjoava e dentro de toda essa paranóia eu achava que a cura para toda ela era mais daquilo que me fazia mal. viciante. e eu nunca ficava com fome de nada, dentro da minha loucura eu confundia os dois conceitos, tudo que eu queria não era mais do que o necessario para mim.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

[na cidade chove.]


psicopatas abram os guarda-chuvas.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

[sobre o motivo e a falta dele]


tem gente que passa a vida formulando hipoteses sobre tudo. tem aqueles que filosofam sobre a vida, sobre as origens, sobre deus e sobre o motivo de tudo isso existir. os outros ouvem essas idéias e passam a vida a concordar ou não com o que está sendo dito. e todos eles, todos em qualquer época, de acordo com as minhas próprias teorias que fique bem claro (concorde voce ou nao) buscam a resposta de uma questão ou o desvendar de um só segredo, como preferir, que se refere à felicidade pessoal. nunca conheci ninguém que quisesse ser infeliz, poderia o ser e estar conformado com a situação, é claro, mas quando criança, caso tivessem perguntado-no o que gostaria de ser num futuro distante, certamente não teria dito "quero ser infeliz". formulei minha própria hipótese sobre a felicidade, o que já é uma contradiçao, dado que formular hipóteses sobre ela é justamente o contrário do que defenderei. ponto um: a diferença entre o ser feliz e o triste é uma só, a falta de motivos. ponto dois: é impossível estar sempre feliz ou sempre triste. justificativa: só se é feliz, realmente feliz, quando voce não precisa de um motivo para se sentir assim. Nunca entendi o porque da pergunta: "nossa, como voce está feliz hein? o que aconteceu?" sou feliz justamente por não ter acontecido nada, sou assim e pronto. a procura de explicações ou de hipóteses ou de um segredo que nos permita isso é justamente aquele impecilho no meio do caminho. e a pessoa feliz só ficará triste quando existir um motivo concreto para isso, e sim, há sempre um outro motivo que nos deixam um pouco pra baixo, mas que de maneira alguma afetam nossa essência original. E vice-versa. A pessoa triste é aquela que não precisa de motivos para ser triste e as vezes um motivozinho mais alegre consegue alegrá-la também. ela passa a vida se perguntando o que está faltando, e o que está faltando e ela parar de gastar seu tempo pensando nisso e viver sem maiores preocupações e filosofias errantes. é, pode ser um pouco simplista essa teoria, mas se assim a julgam por um lado me alegra, dado que não gastei tanto tempo assim formulando hipóteses que atrapalham minha própria felicidade.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

[já passou.. já passou..]

Ja falei no movimento tantas vezes, já escrevi uma porção delas também. É que eu penso bastante sobre essas coisas, só o pensar bastante significa que eu estou em movimento, eu sou quase só isso, tenho essa essência movimentadora. Isso não é um problema. O grande problema é ser um estático sentimental, não pela parte sentimental, e sim pela parte que nao movimenta a anterior. Acho que todo mundo está aqui (aquela coisa de preservação da espécie e #blablabla) pra ser feliz e é só isso. Tem gente que fica querendo ser imortal e escrever livros e fazer descobertas fenomenais nos campos da fisica e da quimica e #blablabla. O mais importante mesmo é ser feliz agora, viver agora, querer agora, inventar, descobrir pro agora, é dar todo esta ênfase pra esse momento aqui. Pra ser feliz tem que pensar nos momentos como ESTE AQUI que eu to vivendo, e este aqui e este aqui e... nao da pra ficar pensando AI JÁ PASSOU este segundo, ai já passou, ai já passou.. é compreensivel, nao é?

quarta-feira, 17 de março de 2010

[o menino da escada]


era a incógnita pura aquele olhar que ele me lançara. parecia uma mistura de sensações tão perto da homogeneidade, que isolá-las uma a uma seria de uma dificuldade tremenda, me restavam somente as hipóteses.
o menino estava ali, deitado no meio da escadaria de uma ruazinha qualquer. estava de tal forma jogado que parecia nao pertencer a lugar nenhum, a familia nenhuma, só pertencia a ele mesmo e a toda aquela fusão de sentimentos que guardava para si. provável que nem ele mesmo sabia diferenciá-los, por isso se encontrava tão fora do mundo naquele momento.
a cada degrau que subia, mais eu nao sabia que reação deveria ter. a cada degrau, mais culpa eu ia sentindo por nao correr até ele e dizer qualquer coisa que pudesse tirá-lo um segundo daquele transe.
A única atitude que tomei foi olhar pra ele, nao consegui fazer nada nem um pouquinho mais nobre ou útil. Eu só olhei e encarei seus olhos, tão transparentes da bagunça que estava por detrás. E ele me encarou também.
Nunca me senti tao desequilibrada com o olhar de alguém como daquele menino.
Era muito doce, mas tinha tanta angústia quanto, tinha tristeza e súplica e mais ainda sinceridade, tinha dúvidas e algum tipo de calmaria, só nao tinha medo.
Aquele olhar era toda a minha própria essência, talvez por isso que tenha me marcado tanto.
Eu nao parei para perguntar se o menino estava bem, egoísta que sou, continuei subindo os degraus, mais e mais culpada.
Eu me perdi naquele olhar do menino e prendi ele dentro de mim.
a diferença é só o medo que eu sinto sempre e o egoísmo que me invade as vezes.
(e a minha forma torta de me redimir)

domingo, 14 de março de 2010

[pretensão]



Não mexia um centímetro seu corpo. Estava estática e resolvera passar o dia assim, respirando, só. O movimento ela guardava para o interior, afinal, querendo ela ou não, ele não deixaria de existir. A única saída era canalizá-lo para algum outro lugar. Pensou, talvez, que dentro do corpo o movimento cansaria menos. Pretensão.
O ser humano vive cheio de pretensões e ela não era diferente de nenhum deles.
O corpo parado e mudo era também pretensão. Ela estava frenética.
Os olhos baixos, meio fechados e os lábios semi-abertos, como se precisando só de um semi-respiro e uma meia visão para sobreviver. Assim pensava serem todos: respiravam pela metade, sem uma visão de vida, mundo e liberdade completamente formada.
O inteiro, o completo, pretensões. A solidez, pretensão. A integridade, sonho. Até as ilusões estavam pela metade. Se contentavam com a metade da utopia.
Por isso parou (de um lado só). Se não fosse um não seria outra coisa.
Mas parando o lado de fora, o de dentro dobrou a produção. Sentia cada parte daquela dimensão se agitar. O coração mandava duas vezes mais sangue para o corpo. A respiração estava mais rápida, por mais que aos outros não fosse perceptível. Ouvia mais. Sentia mais. Pensava e queria mais.
Precisou parar para se sentir (mais) viva.
Por fora desistiu de ser. Por dentro, finalmente sentiu o um que tanto almejara. Para ela bastou. Não importava se era pretensão ou não.
Ela era o zero e o um simultâneos. Não um meio termo falho entre eles.

segunda-feira, 8 de março de 2010

[de Clarice]

só o que eu preciso.


Por não estarem distraídos (Clarice Lispector)

"Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos."

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

[meu eu mesmo]


Importar-se consigo mesmo é tão importante quanto a própria vida em si.
Importo-me comigo de tal maneira que o mundo todo passa a ter uma significância tamanha.
e a vontade de importar-me cresce significativamente. a todo momento.
importo um pouco do mundo todo em mim. rodo o mundo e a minha vida com ele vai deixando de ser estrangeira e estranha a mim mesma.
sou um pouco do mundo todo. e sendo um pouco de tudo só me resta desvendar o tudo que sou pra me entender um pouco mais. e o mundo que tanto me importa.
por importar-me tanto comigo, pensarão vocês ser egoísmo meu.
conheço-me a ponto de não negar os meus (muitos) defeitos. mas sei aqueles que não tenho e egoísmo é um que não me faz falta.
não finjo defeitos que não me existem. nem qualidades. sou assim. só e tudo isso. sem fingimentos.
sem duas caras descaracterizadas. ou de caráter sujo e confuso.
sei a metade de um dos pouquinhos que sou.
não sou pretensiosa a ponto de querer desvendar-me inteira.
cada um tem um eu mesmo tão grande quanto o próprio mundo que tenta desvendar.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

[Vamos dizer não.]


Eu sou assim, desse jeito.
Ele é diferente de mim. E ela, diferente de nós dois.
Não somos diferentes porque alguém pensou que assim deveria ser.
Ao contrário, ninguém pensou em nada, saímos assim e só.
Lógico que tentamos inverter essa lógica a todo momento.
Estamos no top5 seres mais do-contras do planeta. Sei lá porque raios nos orgulhamos tanto disso.
A palavra NÃO soa divinamente para nós.
Nós não queremos isso, não queremos aquilo, não gostei, não posso fazer, não fale comigo, não perdoo, não vou. não.
Dizemos não até para aquilo que é e só. Dizemos não para o que surgiu ao acaso (como se ele se importasse com isso)
Dizemos não para o diferente. E tentamos cada vez mais, no meio da nossa birra, parecer o outro.
Todo mundo quer ser igual, vestir as mesmas roupas, ouvir as mesmas músicas, frequentar o mesmo boteco sujo da mesma rua, beber as mesmas bebidas, usar as mesmas drogas. Todo mundo (quer ser) igual.
Mas é lógico que eu sou especial, não é mesmo? Lógico que eu tenho um dom. Lógico que eu sou melhor do que o outro. Lógico.

Resumindo:
Todos nascemos diferentes.
Todos queremos ser iguais.
Todos queremos ser iguais e nos achar diferente no meio dessa igualdade toda.

Vamos dizer não à lógica. Eeeeee!
Vamos dizer não à sentatez. Eeeeee!
Ao bom senso. Eeeeee!
Parece discurso político.
Todo mundo aclama. Concorda. Se deslumbra.
Todo mundo não sabe do que se trata.
Aclama pra ser igual ao outro que aclama e só.
Eeeeeee!

domingo, 14 de fevereiro de 2010

[o acaso]


As coisas acontecem por acaso por esses lados daqui.
quando digo esses lados daqui, refiro-me a qualquer lugar.
o que está próximo poderia não estar.
o distante poderia ser o quintal da minha casa. se nao o é (até porque a minha casa nao tem quintal), então o culpado disso é ele. o acaso.
não que ele determine coisa alguma. acaso é justamente essa falta de determinação sobre as coisas.
ele deve ser um tipo distraído, que não olha por onde anda. deixa pegadas em qualquer e todo lugar.
na verdade ele não se importa. não se importa se vai por aqui ou acolá. perto ou longe. se não sabe voltar. e nunca se arrepende da espontaneidade característica.
todos os caminhos dão em algum outro lugar. ele crê.
e assim vai. sem se preocupar.
os caminhos que ele trilha não fazem mesmo muita diferença pra ele. não olha pra trás nunca. não sabe por onde passou. não sabe como foi parar ali. segue assim. sozinho.
nós é que sentimos por esses lados daqui por onde ele passou.
nós sabemos que atalho usou. se escolheu a direita ou esquerda.
nossa vida segue assim. por onde ele trilha.
as vezes damos uma pegada fora da linha. mas só.
e essa pegada pode mudar o rumo do acaso radicalmente.
mas de tão distraído, não percebe que passaria por algum outro lugar..

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

[o outro ego]

somos só nós. aqui. parados. existindo.
cada qual descobrindo uma maneira de existir melhor do que o outro.
todos com o mesmo objetivo torto de existência. superar.. o outro.
perguntar-se quem é o outro, ali, do seu lado, existindo junto com você, está fora de questão.
a loucura está implícita em tal pergunta.
deve-se saber o minimo necessario. o que se sabe deve ser suficiente para ser melhor do que ele. o outro.
não importa em que. nao importa aonde.
nao importa. nada importa. só o ego importa.
os egos estão tão abarrotados que não se movem mais.
e continuam se achando o último ego do planeta.
até nisso competem. quem é mais grande e gordo.
quanto mais melhor.
e o limite? não conhecem tal palavra.
não existe limite assim como não exista algo com que se importem.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

[a desrotina da mesquinharia]

Não. Não precisa mais se preocupar não.
Se eu me preocupo? Magina.
Sim, eu entendo. Motivos para ficar assim não faltam.
Mas também, motivos vão sempre existir.
Lógico que eu quero te ajudar. Ué, para de pensar um pouco nisso.
Se vai ficar assim com uma bobagenzinha dessas imagina depois.
Sim. Sempre existe coisa pior, não se engane.
O que você faz agora?
Meu bem, desencana. Não deixa motivos te enrolarem desse jeito.
A falta de motivos que seriam, aí sim, um problema.
A vida seria parada demais. Monótona. Medíocre. Sem graça. Infame.
Mesquinha.
Tenho certeza de que se não houvesse motivos pra ficar assim, você arranjaria algum.
As pessoas não cansam de inventar problemas por aí.
A única coisa que não cansa nas pessoas é a própra mesquinharia.
O mesquinho não é rotineiro.
As vezes um ou outro se cansa de tanta bobagem e tenta mudar de vida, compensar alguma coisa.
As vezes, um ou outro se sente mal de tratar mal um ou outro.
As vezes.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

[o anti-movimento]


a nuvem paira bem em cima da menina. estaciona. congela.
a nuvem empaca tanto quanto a menina já empacou também.
e ninguem sai do lugar, só o mundo que se move ao redor da menina e da nuvem.
está tão quente que ninguem mais consegue respirar. está parado. o ar também não se move.
a nuvem pinga, resfriada, e resfria a menina.
ela nao sai do lugar.
de que adiantaria? se saisse, a nuvem continuaria pairando ali, uns dois ou três metros acima dos seus pensamentos, que estacionam junto com a nuvem e com a pequena que não pensa mais.
não precisa mais pensar em nada, também. se pensasse, o movimento deixaria de ser.
(dado que ela nao encontraria razoes para ele.
o movimento exige esforço
o pensamento esgota todo o esforço da menina. egoista que é)
e (o movimento) deixando de ser, o estático também nao mais existiria, dado uma coisa não é nada sem a anti-coisa, tal qual o adversário nao o seria sem aquele que o desafia.
sem aquilo que move e sem aquilo que pára não se sabe o que poderia restar.
por isso não pensa. é unica chance de voltar a movimentar.
o mundo é assim e ponto. o que há de se pensar dele?
se se pensar muito nele ele pode parar tambem.
e se assim fosse, deixaria de ser mundo.
e a menina não teria mais com quem voltar a girar.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

[guarda ela]


quem é ela?
cada lágrima, cada grito, cada murro ela prende dentro dela.
é assim que ela joga. ou se prende ou se entrega. sem meio termo.
sem meia-volta.
ela prefere não perceber
se percebesse, tudo explodia ali dentro
o interno vira fora. o reprimido, rebelde. o sete-chaves vir-a público.
segredos o mundo todo tem. e ela guarda cada segredo do mundo dentro dela.
ela guarda cada um de um que queira esquecer.
ela aceita e guarda. e guarda. e guarda. e se guarda.
nao tem mais espaço ali dentro.
ela está sobrecarregada de tudo que é podre e torto do mundo.
o que é dela ela não guarda.
tanto não guarda que quase não é mais ela. quase não resta nada, dela.
só as lágrimas, gritos e murros que ela prende.
ela é quase só a podridão e a tortisse que ela guarda.
é tudo torto e quase nada.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

[Ela canta só]


Ela canta.
E .
Não precisa de mais nada. Não precisa de um motivo. Nem de afinação.
Não precisa de aplausos ou confete.
Sua música não agrada a quem ouve. Mas só quando não se presta atenção.
A beleza não está na música ela própria.

(A beleza não precisa estar ali.
A beleza não está em admirar o quão belas as coisas são.
A beleza está em procurá-la nas coisas.
E fica ainda mais bonita, por ser mais difícil de encontrar.)

E ela canta.
E é tão bonito por ser sincero. Por ser ela.
Ela canta aquilo que ela conhece.
E ela se conhece tanto que tudo que ela canta soa autenticamente afinado.
Ela canta afinada consigo mesma e essa é a beleza.
Ela canta e se conhece.
Quem vaia não a conhece.
E não conhece a si mesmo.
Por se preocupar em vaiar um outro e esquecer de cantar o próprio.
Ela canta só. E não se importa.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

[o deserto e o grão]


Não era uma praia, pois o mar não se via e a imensidão azul litorânea não passava de imagens e vontades que tinha, cá dentro de mim. Era outra coisa. Posso afirmar, não com toda a certeza, que o que estava diante de mim era um deserto. Na verdade, eram todos os desertos do mundo à minha frente. E isso eu afirmo sem dúvida alguma. Mas dentro daquela infinidade toda, que importavam as minhas dúvidas ou certezas? Eu era só mais um daqueles grãozinhos, cada qual com suas certezas e dúvidas.
Na palma da minha mão alojara-se um desse pequeninos. E o que significavam as certezas e dúvidas de um grão de areia na palma da minha mão? A incerteza me obriga a dizer tudo. Era uma infinitude de carne e um único grão de areia, com as ÚNICAS certezas e dúvidas daquela imensidão.

sábado, 9 de janeiro de 2010

[loteria do caráter]



Somos assim. Aquele meio termo entre o tudo e o nada. Cada um sendo o tempo todo aquela possibilidade infinita de ser (qualquer coisa). Somos o um nesse infinito. Somos uma chance quase nula de sermos (assim). Somos tudo que ninguém mais é, foi ou será. Mas também somos o nada. O um entre infinitos. Aquele um que não faz diferença, que faz parte do todo que aí sim faz a diferença.
Auto estima é só essa passagem entre o tudo e o nada da significância. O caminho entre ser único e ser mais um. Um caminho sutil. Uma linha tênue. Uma fronteira confusa que faz toda a diferença na vida do um e nenhuma na vida do todo.

[enquadrando]

Começo.
(Tudo tem seu inicio e fim. Na metade, os parentesis. São a minha forma de fugir do assunto, sabendo que serão retomados depois. São os meus escapes. A minha fuga provisória. Improvisada. Como quem admite a culpa, mas não quer discutir isso agora. Deixa pra daqui a pouco.)
Fim.