"Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto, Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão. A ave passa e esquece, e assim deve ser. O animal, onde já não está e por isso de nada serve, Mostra que já esteve, o que não serve para nada A recordação é uma traição à Natureza, Porque a Natureza de ontem não é Natureza. O que foi não é nada, e lembrar é não ver. Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!" Alberto Caeiro
foi isso que sempre me incomodou.
não sou uma pessoa cheia de rancores, quem me conhece sabe bem.
talvez grande parte disso se justifique pelos problemas de memória que carrego comigo.
admito: eu esqueço as coisas.
eu sei, ninguém guarda tudo e toda aquela coisa.
mas eu esqueço as coisas mesmo.
nao sei bem como funciona, sinto como um bloqueio que me impede a visão.
sou míope memorial. as lembranças ficam embaçadas e por favor, não me peça detalhes de coisa nenhuma, não os enxergo.
antes eu pensava serem só as partes ruins dos acontecimentos, as brigas, os pesadelos. todos eles iam para uma mesma caixinha de chumbo. talvez nao tao pequena assim, mas enfim, estava distante o suficiente para que eu nao as recordasse.
hoje percebi que a maioria das lembranças vão parar por ali. nao me lembro de coisas que queria guardar, acordo como se não tivesse sonhado, repito perguntas nao por nao lembrar as respostas, sim por não lembrar que as perguntei.
é assim, simples.
as vezes penso ser mais fácil, aquele tal sentido de preservação.
nao seria muito eficiente, na verdade, porque poderia cometer os mesmos erros diversas vezes.
mas é sim eficiente quando se tem todo um conjunto de auto-preservações.
só a possibilidade já me dói e afasto-a como se já tivesse perdido tudo novamente.
a dor serve para isso afinal. a dor tem uma memória invejável e manifesta-se sempre em que há a possibilidade de dor. é um aviso.
a dor é toda a minha memória. e afasto toda a minha memória para dentro daquela caixinha.
minha miopezinha memorial mais linda do mundo
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